terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Tangolomango




Você conhece os "tangolomangos"? Eu não conhecia, mas fui apresentada pela Lica (uma professora muito especial e muito motivadora que possui o blog http://oficinasdealfabetizacao.blogspot.com No blog dela eu aprendi muitas coisas sobre esse texto de tradição oral e gostei de cara!!


Depois de um tempo, Lica disse-me que escreveria um artigo para o "Caderno 5" do Pnaic e que precisaria de um relato de experiência interdisciplinar que tivesse como base o tangolomango. 

Tive medo! Rsrsrsrs!!!!! Fiz o meu melhor!! Aqui nesse registro você poderá conhecer o trabalho desenvolvido na íntegra.

Registro:


O trabalho teve início na Casa de Leitura onde começamos a conversar sobre o final de semana. Emanuel cortara o dedo e estava com um grande curativo.  Todos queriam saber o que havia acontecido.  Ele explicou que havia prendido o dedo na porta e acabou se cortando. Sarah também quis mostrar seu machucado no braço. Willian também ferira o pé. Foi um festival de machucados. Até quem não tinha, já queria arrumar algum para mostrar. Será Tangolomango? 


Propus um telefone sem fio. Todos adoram! A palavra escolhida foi TANGOLOMANGO. Kethlen, a primeira criança, pediu que eu repetisse, pois não entendera nada! Repeti pausadamente TAN-GO-LO-MAN-GO. A brincadeira começou e só se viam caras de espanto: “O quê? Repete!” Cada criança foi passando para a outra o que havia compreendido, mas com a grande desconfiança de que aquilo não deveria estar muito certo. Finalmente, a brincadeira chegara  à última criança e a palavra dita foi .... BALÃO! Kethlen foi logo dizendo: “Não foi nada disso! Era uma outra palavra!” Mas, não sabia explicar para os colegas, pois já havia esquecido. Disse que era uma “coisa” muito diferente e que não lembrava. Emanuel pediu que eu dissesse a palavra correta. Fui logo dizendo: “Tangolomango!” E a uma só voz, só se ouvia: “O que é que é isso?” Ninguém nunca ouvira aquela palavra antes. Pedi que dissessem o que deveria ser o significado dela. Alguns disseram fruta, outros, balão. A palavra era tão diferente que ninguém se arriscava a dar palpites. Começaram a perguntar o que era. Eu disse que iria contar um tangolomango que eu havia conhecido e que lembrava a própria história vivida por eles no final de semana. Era o tangolomango das nove irmãs. Assim que comecei a falar, logo começaram a interagir com o texto. E foi bastante interessante observar como as crianças se mostraram envolvidas por aquele texto caracterizado por repetições.  Ao final da contação, pude perceber o entusiasmo de todos, manifestado quando disse: “ACABOU A GERAÇÃO”. Intensificado, com alegria, ao falarem em coro:  “DEU TANGOLOMANGO NELA”.




 Perguntei o que seria tangolomango e as respostas foram variadas:


Kethlen: É um susto ou um tombo!
Thierry: É sumir, desaparecer!
Emanuel: É uma confusão!
Leonardo: Foi dando uma coisa na cabeça delas!
Emanuel: Eu acho que é quando acontece algum problema! Quando dá alguma coisa errada!
Leonardo: É porque elas sumiram!
Thierry:  É porque acabou a geração! Não tem mais ninguém!

Quando meus alunos pedem para repetir é porque realmente gostaram e eu tive que repetir algumas vezes, pois eles queriam participar. Penso que todas as crianças são assim.
Heloisa disse que as palavras rimavam e que achou muito legal. Fomos pensando em quais eram as rimas daquele tangolomango: oito/biscoito, sete/canivete, seis/inglês, cinco/pinto, quatro/teatro, três/francês, duas/ruas, uma/alguma, feijão/geração. Trabalhamos as rimas no campo da oralidade sem o compromisso com o escrito e todos participaram animadamente. A turma já possui um histórico de trabalho com rimas e esse tipo de atividade, além de motivadora é sempre enriquecedora para as crianças, pois levam os alunos a desenvolverem a consciência fonêmica, reconhecerem padrões e isso facilita o aprendizado da linguagem. Ampliamos as rimas presentes no tangolomango: dezoito, Ivete, marquês, minto, cinto, luas, pluma, espuma.
Conversei com a turma e sugeri que perguntassem em casa se alguém conhecia algum tangolomango. E propus que levassem o Tangolomango das nove irmãs para ler em casa. Um grupo de crianças tinha o objetivo de ler para os pais e outro grupo de ler junto aos pais. Dessa forma, a atividade atenderia à necessidade de cada criança, pois nem todos leem convencionalmente, entretanto todos possuem suas hipóteses de leitura. Além disso, deveriam pesquisar junto aos familiares se conheciam os tangolomangos.
No dia seguinte, todos disseram ter lido para/ou com os pais, entretanto, ninguém conhecia aquele gênero. Sarah disse que sua mãe pesquisara na Internet e descobrira que era uma música. Fomos para a Internet pesquisar e achamos o Tangolomango das nove irmãs, cantada pela Bia Bedran. Ouvimos e eles cantaram, pois já conheciam o texto de cor. Vimos que esse gênero também pode ser cantado.
Li para eles o Tangolomango das bruxas e as crianças acharam muito divertido, comparando-o com o Tangolomango das nove irmãs, percebendo, assim, que há algumas rimas iguais e outras diferentes.  Aquele texto também foi levado para casa pelos alunos, para que os familiares o conhecessem. Dessa vez, entretanto, pedi que alguém da família dinamizasse a leitura de alguns trechos e a criança outros. E assim, a cada tangolomango que conheciam, levavam para compartilhar e interagir com a família.
Para fomentar a ideia de tradição oral, solicitei que ouvissem com bastante atenção, a versão “As nove filhas” de José Mauro Brant, pois após a leitura gostaria de ouvir alguns comentários. Todos ouviram com atenção e fiquei surpresa com as observações, pois fizeram comparações com o tangolomango “Nove irmãs em uma casa” e o “Tangolomango das bruxas”:

Gabriel Ferreira: Nos dois tangolomangos aparece a mesma quantidade de pessoas.
Emanuel: O da bruxa tem 10.
Ana: Vocês sabiam que o número nove sempre foi considerado como um número de mistério?
Ana Carolina: Tem muito mistério nessas histórias!
Maria Cecília: Os dois terminam com acabou a geração.
Heloisa: Todos eles têm rimas.
Pedro: O primeiro, das irmãs na casa, cada uma vai fazer alguma coisa sozinha.  No segundo, das nove filhas, todas vão juntas, mas o tangolomango só acontece com uma delas!
Ana: Nossa, Pedro, adorei essa observação!
Thierry: Tem coisa que é igual e tem coisa que é diferente: uma come feijão e a outra faz feijão.
Ana: Por que será que esses textos são tão parecidos?
Gabriel Ferreira: Cada um conta de um jeito.
Melissa: Ah, então é o conto popular, igual ao da Galinha Ruiva.
Ana: Isso, gente, é a mesma idéia! Por que chamamos alguns textos de contos populares?
Leonardo: Porque não tem autor, é popular.
Ana: E o que significa isso?
Kethlen: É que todo mundo conta e aí as histórias saem diferentes.
Ana: Isso. Dizemos que passa de boca em boca. Eu posso pegar a história do povo e dizer que essa história é minha?
Todos: Não!
Heloisa: Só se mudar algumas coisas, como “A galinha Xadrez”!
Ana: Isso mesmo. Esses tangolomangos fazem parte da cultura do nosso povo. Tem alguns autores que gostam de brincar com esse tipo de texto. Eu vou trazer alguns deles para vocês em outro momento.

Com o primeiro tangolomango, “Nove irmãs numa casa”, cujo conteúdo já sabiam de cor, propus algumas atividades. A primeira delas foi o reconhecimento de palavras no texto. Algumas crianças, com hipóteses de escrita silábico-alfabéticas e alfabéticas fizeram sozinhas; já as silábicas e pré-silábicas, que atualmente correspondem a 6 crianças, fizeram em duplas. O objetivo era circular as palavras que correspondiam às rimas do tangolomango. Após esse trabalho, as crianças procuraram os numerais que apareciam por extenso, em ordem decrescente. Durante a atividade fui circulando pela sala para auxiliar os alunos. Ao notar alguma dificuldade, ia perguntando para a turma: “Que dicas podemos dar para o amigo conseguir achar essa palavra? Com que letra começa? Essa palavra tem algum acento? Qual?”



Também propus uma atividade em duplas ou trios, cujo objetivo era a ordenação de dois versos. As palavras estavam embaralhadas dentro de um envelope. Eles precisavam ordená-las para montar os versos corretamente. Ao passar pelos grupos fui fazendo intervenções. Pedia que lessem o que já haviam construído e perguntava qual era a próxima palavra, com que letra começava ou terminava... Ao concluírem, fomos montando o cartaz com o tangolomango: “Qual grupo virá primeiro? Qual grupo será o próximo?” Aquele cartaz servirá de apoio em sala de aula, onde poderão ler, ajustando partes do falado ao escrito ou buscar referências para a escrita das mesmas ou de outras que possuam o mesmo som.






Como atividade de escrita, propus o texto lacunado. As duplas que necessitavam de mais ajuda trabalharam com o banco de palavras, o que não ocorreu com os mais autônomos. Fui lendo o tangolomango e parando nas lacunas. Eles falavam a palavra que deveria estar escrita e completavam. Em alguns momentos, como na escrita da palavra FRANCÊS, propus uma reflexão coletiva para a escrita, pois várias hipóteses surgiram, mas que foram sendo eliminadas através das falas das crianças. Entretanto, a última palavra foi dada pelos alunos que tinham o banco de palavras. Isso os estimulou, pois tinham a forma correta em suas folhas e participaram ativamente da busca.


Em outra atividade distribui uma cartela com as rimas presente no tangolomango. Tanto as crianças que trabalhavam sozinhas quanto as duplas procuraram a dupla de palavras e usaram uma mesma cor para pintá-las. Ao terminarem, recortaram e colaram as duplas de palavras no caderno.
Nesse dia também jogamos o jogo da rima, do material Trilhas, presente em nossa sala de aula, o que proporcionou novas possibilidades de ampliarmos o repertório.



Uma outra proposta também foi desenvolvida em duplas.  Cada uma delas recebeu o tangolomango em tiras, para recortar e ordenar. Era uma proposta, para mim, ousada, mas as duplas foram bem estudadas e certamente seria uma boa oportunidade para ler e ajustar o falado ao escrito. Foi interessante, pois a dupla de Thierry e Pedro, após cortarem as tiras, separaram-nas em ERAM E DEU, ou seja, todas as tiras que começavam com a palavra ERAM ficaram com Thierry e todas as tiras que começavam com DEU ficaram com Pedro. Eles iam recitando e procurando. Quando observei que eles tinham pensado nessa estratégia, pedi que todos parassem para que eles explicassem o que haviam feito. Todos acharam uma boa ideia e começaram a fazer o mesmo. Dessa forma foi mais fácil ordenar todas as tiras. As rimas no final de cada verso serviram como disparador para que as crianças logo identificassem as tiras corretas. Após a colagem do tangolomango, pensamos na escrita do título Tangolomango. Refletimos como essa palavra é grande e com muitas letras, entretanto já era familiar para eles e não tiveram dificuldades em escrevê-la. Como temos muitos cartazes com o mesmo tangolomango, escreveremos uma carta para todas as turmas explicando um pouco sobre o tangolomango e deixaremos um cartaz em cada sala. Dessa forma, estaremos ampliando o conhecimento desse gênero aos outros alunos da escola e também trará uma função para os cartazes que fizemos. 












Em outro dia,  retomamos a ideia do que era um tangolomango. As crianças disseram que era um texto que rimava e que até poderia ser cantado. Era uma história contada pelas pessoas. Leonardo muito esperto, disse que parecia com uma parlenda e Gabriel afirmou que era um texto muito misterioso.

Relembramos a ideia de que alguns autores também brincam de tangolomango em suas publicações. Mostrei o livro Chá das dez, de Celso Sisto.  Quando mostrei a capa do livro, pedi que me ajudassem a ler o título. Ao lerem, algumas crianças começaram a perguntar: “É tangolomango?” Perguntei por que estavam perguntando isso e eles responderam porque tinha a palavra dez e apareciam dez velhinhas, logo deveria ser um tangolomango. Percebi logo que eles já estão conhecendo as características do gênero. Os alunos gostaram muito do livro e, página a página, foram observando e comentando as suas ilustrações. Cada velhinha era de um jeito diferente, mas eles ficaram muito curiosos em saber o que iria acontecer com cada uma delas. Os quitutes enumerados também eram motivo de interesse e ficaram procurando cada um deles nas ilustrações. O rocambole holandês foi o mais admirado. No livro, diferente dos outros textos já trabalhados, as velhinhas voltavam e isso gerou motivo de conversa entre eles. Também observaram que a palavra tangolomango não aparece. Questionei se o texto era então um tangolomango. Eles afirmaram categoricamente, pois as velhinhas vão saindo da história, pois algo lhes acontece. Trabalhamos oralmente muitos aspectos do texto e as crianças pediram para desenhar. Eu não havia planejado tal situação, mas permiti que o fizessem. Foi interessante, pois quiseram ver novamente as ilustrações. Emanuel ficou impressionado com o tamanho dos queixos ou dos narizes de algumas. Foram muitos risos!


 



Em comparação, vimos que o “Tangolomango das bruxas” também tinha dez personagens, assim como as velhinhas do “Chá das dez”. Refletimos sobre o Sistema de Numeração Decimal e em nossa sala desenvolvemos várias atividades com o material dourado, com palitos e até mesmo durante a exploração do calendário. Assim, aproveitei a numeração presente no tangolomango para pensarmos no jogo Nunca 10, pois, afinal, nunca temos 10 velhinhas para o chá.  Uma a uma vão saindo e, no jogo, uma a uma vão formando a dezena exata. No jogo, ao contrário, necessitamos juntar 10 unidades para trocar por uma barra que equivale a uma dezena. Solicitei a ajuda de uma dupla para que eu pudesse explicar o jogo para toda a turma. Após a primeira rodada com a dupla, pedi que outras crianças explicassem os procedimentos. Como todos já estavam compreendendo, distribui as peças para os outros grupos. Todos jogaram animadamente. Em cada grupo havia um banqueiro que auxiliava na troca das unidades pelas dezenas. Após o jogo, solicitei que fizessem um registro que mostrasse como se jogava o Nunca 10. Expliquei que poderiam valer-se de desenho, escrita, ou o que pensassem de diferente. Os registros ficaram muito interessantes e foram compartilhados no momento da roda de conversas. Fizemos uma comparação entre o jogo e o tangolomango. Gabriel Ferreira disse: “As velhinhas vão sumindo e aqui no jogo também nunca pode ficar 10!” E Francisco: “No tangolomango os números diminuem e aqui no jogo os números aumentam.”






Também li outros tangolomangos para as crianças que podem servir como novas opções: “Dez sacizinhos”, de Tatiana Belinky e “Dez patinhos”, de Graça Lima, “A casa das dez furunfunfelhas”, de Lenice Gomes e “Dez monstrinhos”, da Editora Lafonte.



Apresentação do Tangolomango das bruxas para as outras turmas:



Criação de jogo da memória do livro "Chá das dez":





Kit Chá da dez:

As crianças criaram os desenhos para o jogo da memória que consiste em emparelhar o quitute com o seu respectivo nome.
Eu montei ainda outra proposta. Letras móveis para formar cada parte do tangolomango. Um pra cada velha!!!!




 Para saber mais sobre tangolomangos no blog da Lica:

Tangolomango
Propostas com tangolomangos

Espero que tenham gostado! Até a próxima!

Ana Antunes









6 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada, Rosana!
      Bem vinda!
      Os comentários nos ajudam sempre.
      Um abraço,
      Ana

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  2. Oxente! Eu comentei e sumiu!!!
    Vai de novo!
    Aninha! Muito bom ler o relato completo, muito lindo, pena que lá no texto do PNAIC não dava pra colocar esse registro todo.
    mas que bom que você postou!
    Vida longa aos tangolomangos! Vida longa às invencionices com as crianças!
    Bjos, querida,
    Lica

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  3. Santé!!!!!!
    Muito bom! Depois de conhecê-los, não saíram mais da minha sala! Gosto muito e as crianças também.
    Obrigada pela nossa parceria e pela confiança.
    Beijo grande!
    Ana

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  4. Legal esse tangolomango todo! Parabéns!

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    1. Obrigada Ka!
      Bem vinda!
      E acabou a geração! Rsrsrs
      Um abraço,
      Ana

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